Temas


Uma das variáveis tidas em conta na análise das dinâmicas de disseminação internacional dos Orçamentos Participativos é a emergência de legislações nacionais que enquadram a criação e o desenvolvimento destes processos. De acordo com o estudo efetuado, foi possível identificar nove países com marcos legais alusivos ao tema, conforme se expõe de seguida.

Peru

Foi o primeiro país no mundo a legislar sobre os Orçamentos Participativos, em 2003, tornando-os obrigatórios para todos os municípios, províncias e regiões. O marco normativo inicial foi revisto em 2008 e 2009, tendo sido introduzidos elementos mais precisos sobre a metodologia, com detalhes alusivos a cada fase do processo. O mecanismo prevê a possibilidade de cofinanciamento dos projetos do OP por parte da população/sociedade civil, através de contributos em mão-de-obra, materiais, dinheiro, entre outros. O OP está previsto na Constituição da República.

Indonésia

Foi o segundo país no mundo e o primeiro no continente asiático a legislar sobre os Orçamentos Participativos em 2004. O OP, localmente designado por Musrenbang, emerge integrado na lei que define o Sistema Nacional de Planeamento e Desenvolvimento, onde esse é referido como um mecanismo de planeamento e orçamentação de baixo para cima. Mais tarde, em 2014, uma nova iniciativa legislativa determina que o Governo Nacional fica obrigado a transferir 10% da sua receita para as cerca de 74 mil vilas do país, dando orientações para que esses recursos sejam localmente definidos dentro de um processo de OP. Esta situação implicará uma enorme expansão deste mecanismo na Indonésia, com implicações estatísticas muito amplas no cenário internacional. O quadro legal não define especificações metodológicas, nem mecanismos de regulação do OP. Esse prevê, no entanto, o envolvimento no processo de elementos dos governos locais, de associações profissionais, universidades, organizações não-governamentais, empresários, líderes religiosos, entre outros agentes ativos dos territórios.

República Dominicana

Foi o segundo país do espaço latino-americano a criar uma legislação específica sobre o tema, mais precisamente em 2007, instituindo o designado “Sistema de Orçamento Participativo Municipal”. O quadro legal prevê a obrigatoriedade de adoção do processo por parte de todos os municípios dominicanos, detalhando a metodologia e descrevendo as ações a desenvolver em cada fase. A lei em apreço define ainda que 40% das transferências do Orçamento do Estado para cada município devem ser alocadas ao OP. O OP ganhou reconhecimento constitucional na República Dominicana em 2010, mantendo-se na revisão efetuada à Carta Magna em 2015.

Polónia

Trata-se do primeiro país europeu a legislar, a nível nacional, sobre os orçamentos participativos. Foi em 2009, através de uma lei de incentivo, designada de Fundo Solecki. Esta é dirigida às áreas rurais de menor nível administrativo do poder local polaco, oferecendo a possibilidade de reforçar as verbas que lhes são atribuídas, desde que essas sejam decididas pela população. Novos desenvolvimentos legislativos ocorridos em 2018 tornaram o OP obrigatório em 66 cidades, bem como uma opção para os restantes governos locais e regionais do país. Este novo enquadramento legal, de geometria variável, cria a expetativa de uma mudança gradual no panorama dos OP na Polónia nos próximos anos.

Panamá

Foi o terceiro país latino-americano e o segundo na América Central a legislar sobre o assunto, embora de uma forma bastante indefinida. A lei em apreço, de 2009, que enquadra o processo de descentralização, prevê que as Juntas Comunales – uma espécie de conselho comunitário – devem elaborar o seu Orçamento Participativo e entregar o mesmo ao Alcalde, até 15 de outubro de cada ano, para este integre os investimentos que são da sua competência no orçamento do Município. Esta lei foi revista em 2015, sem que tenham sido introduzidas alterações ao quadro anterior no que diz respeito ao OP. Trata-se de uma realidade a merecer melhor atenção no futuro.

Equador

O Equador foi o quarto país latino-americano e o sexto a nível mundial a legislar sobre o tema. Foi através da criação de uma Lei Orgânica de Participação Cidadã, de 2010, que se definiu a obrigatoriedade de implementação do OP por parte de todos os governos regionais, provinciais e municipais, adiantando ainda que de forma progressiva o mesmo deverá ser adotado a nível nacional. Sem que seja definido um regime específico do OP na referida legislação, com detalhes sobre a sua metodologia, o incumprimento na sua adoção, por parte de qualquer governo regional, provincial ou municipal, poderá gerar responsabilidades de caráter político e administrativo.

 

Coreia do Sul

Trata-se do segundo país asiático a adotar uma legislação nacional que obriga os municípios a preparar e implementar o OP. Esta menção faz parte da Lei das Finanças Locais da Coreia do Sul, datada de 2011. No articulado definido não são descritos mecanismos metodológicos, nem ações específicas a desenvolver. No âmbito da Lei das Finanças Nacionais foram previstas as bases legais para que o Governo da República pudesse implementar o OP a nível nacional.

 

Portugal

Foi o primeiro e até ao momento o único país no mundo a criar uma legislação nacional que define a obrigatoriedade de implementação do OP por parte de todas as escolas públicas do terceiro ciclo de ensino e do nível secundário. Percebe-se, assim, que o quadro legal definido não se destina aos órgãos dos governos locais, como aconteceu nos Estados referidos anteriormente.

Angola

Trata-se do primeiro país africano a legislar sobre o OP. O quadro normativo é de julho de 2019 e estabelece, por um lado, o valor anual a transferir do Orçamento do Estado para que cada município aplique no OP, e por outro, institucionaliza o processo a nível local, definindo as regras de funcionamento e a metodologia a adotar.
De acordo com este quadro legal, o OP passa a ser obrigatório para todos os municípios e demais entidades administrativas equiparadas.

País Enquadramento Legal Tipo de Enquadramento Nível de Detalhe Ano Nº de OP Abrangidos Outros
Peru 1) Lei Marco do OP nº 28056.
2) Lei nº 29298 que altera a anterior
3) Decreto supremo nº 142-2009-EF
1), 2) e 3) Tornam o OP obrigatório para todos os governos regionais, municipalidades provinciais e municipalidades distritais 1) Define fases do processo mas não detalha a metodologia
2) Aprofunda alguns detalhes do processo e cria novas exigências de transparência de informação
3) Detalha toda a metodologia do processo fase a fase.
1) 2003
2) 2008
3) 2009
2089 OP:
- 25 regiões
- 195 províncias
-1869 municípios
Prevê a possibilidade de cofinanciamento dos projetos por parte da sociedade civil, através de recursos financeiros, mão-de-obra, materiais, etc.
Indonésia 1) Lei nº 25, que define o Sistema Nacional de Planeamento e Desenvolvimento;
2) Lei 6, designada de “Lei das Vilas”
1) Torna obrigatório o OP (Musrenbang), enquanto processo integrante do Sistema Nacional de Planeamento e Desenvolvimento;
2) Torna obrigatória a transferência de 10% das receitas do Estado indonésio para as vilas, dando orientação de que esse valor deve ser alocado ao processo de OP.
As legislações referidas não definem a metodologia ou qualquer procedimento associado à implementação do OP.​. 1) 2004
2) 2014
1) São abrangidos por este legislação 514 municípios;
2) São abrangidas por esta legislação cerca de 74 mil vilas.
1)A legislação prevê a participação de elementos do governo, de associações profissionais, universidades, organizações não-governamentais, empresários, líderes religiosos e outros.
República Dominicana 1) Lei nº 170-07
2) Constituição da República
1) Institui o Sistema de Orçamento Participativo Municipal, tornando o processo obrigatório para todos os municípios.
2) Estabelece no Artigo 206 que os investimentos municipais serão realizados através do desenvolvimento progressivo de orçamentos participativos.
1) Detalha a metodologia do processo e descreve as ações a desenvolver em cada fase 1) 2007
2) 2010
1) O país possui 159 municípios mas apenas 127 a 135 estão a implementar o OP. A lei não prevê penalizações para os incumpridores. A lei define que 40% do valor transferido do Orçamento do Estado para cada município deve ser dedicado ao OP. Prevê-se a criação de comités de acompanhamento e manutenção dos projetos do OP em cada município.
Panamá 1) Lei 37, que define os mecanismos de descentralização da administração pública;
2) Lei 66, que altera a anterior, mas mantém os conteúdos referentes ao OP.
1) Prevê, no artigo 116, que as Juntas Comunales (Conselhos Comunitários) devem elaborar o seu OP, com as prioridades de investimento, o qual deverá ser entregue ao Alcalde até 15 de outubro de cada ano, para que esse inclua no orçamento municipal o que for da sua responsabilidade. 1) As duas legislações em apreço não possuem qualquer tipo de detalhe sobre as obrigações dos órgãos locais, nem sobre a metodologia que o OP deve ter. 1) 2009
2) 2015
Foi detetado apenas 1 OP no diagnóstico efetuado, o que deixa muitas dúvidas sobre a aplicação da lei. -
Polónia 1) Ustawa z dnia 8 marca 1990 r. o samorządzie terytorialnym (The Act on Local Self-Government), Dz.U. 1990, No.16, item 95.
2) Ustawa z dnia 5 czerwca 1998 r. o samorządzie powiatowym (A Lei da Autonomia Local a Nível Poviat), Dz.U. 1998, No.91, item 578.
3) Ustawa z dnia 5 czerwca 1998 r. o samorządzie województwa (A Lei da Autonomia Local do Nível Voivodato), Dz.U. 1998, No.91, item 576.
4) Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej -Warszawa, dnia 12 marca 2014 r. Poz. 301 USTAWA z dnia 21 lutego 2014 r. o funduszu sołeckim (Jornal Oficial da República da Polónia - Varsóvia, 12 de Março de 2014 Item 301 ACT de 21 de Fevereiro de 2014 sobre o Fundo da Aldeia)
1) Desde 2018, a OP torna-se obrigatório para 66 cidades (cidades com direitos de município) e facultativa para o resto dos governos locais (embora, caso pretendam implementar a OP, seja necessário um regulamento de direito local, como na legislação geral).
2) A OP é opcional para o segundo nível da administração local.
3) A OP é facultativo para os níveis regionais de governo.
4) Dedicado às zonas rurais e ao nível administrativo mais pequeno, a Lei do Fundo Solecki prevê a possibilidade de alocar algum dinheiro do orçamento municipal local, que só os habitantes locais das unidades municipais auxiliares podem decidir.
Os 4 diplomas referem-se a alguns aspetos a seguir, por exemplo, 1), 2) e 3) mencionam que a administração local deve adotar resoluções que especifiquem os requisitos para os projetos, o número de assinaturas para apoiar os projetos, as regras de avaliação e votação. O regulamento do fundo Solecki (4) refere-se principalmente ao cronograma que deve ser seguido e à forma de cálculo dos orçamentos. 1) A Lei sobre a Autonomia Local é de 1990, mas teve nova regulamentação em 2018, para tornar obrigatório o OP num tipo específico de cidades.
2) A Lei sobre a Autonomia Local do Nível Poviat é de 1998, mas possui nova regulamentação desde 2018, para introduzir a possibilidade de implementar o OP.
3) A Lei sobre a Autonomia Local do Nível Voivodato é também de 1998 e tem as mesmas alterações que as anteriores. Desde 2009, com alterações em 2014.
Em 2018, existiam 360 cidades com OP (1), 10 poviat (2) e 5 regiões (3)
Aproximadamente 1467 processos de OP ao abrigo da lei solecki Fundos em 2018 (4).
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Equador 1) Lei Orgânica de Participação Cidadã (s/n)
2) Constituição da República
1) Os artigos 64 e 67 a 71, entre outros, definem que os OP serão implementados imediatamente nos governos regionais, provinciais, municipais, regimes especiais e, progressivamente, a nível nacional;
2) Prevê, no artigo 100, a participação dos cidadãos na elaboração dos orçamentos participativos dos diferentes níveis de governo.
1) A Lei Orgânica tem por objetivo propiciar, fomentar e garantir o exercício dos direitos de participação. Não estão ainda criados regimes legais específicos sobre o OP, tal como a Lei Orgânica prevê. 1) 2009
2) 2008
1) Foram diagnosticados 221 OP locais e 24 regionais A Lei Orgânica define que o incumprimento da obrigação de realizar o OP implicará a assunção de responsabilidades políticas e administrativas
Coreia do Sul 1) Lei das Finanças Locais (s/n);
2) Lei das Finanças Nacionais (s/n)
1) Define a obrigatoriedade dos governos locais de preparar e implementar o OP; 2) Cria as bases legais para que o Governo da República implemente o OP a nível nacional. Ambas as legislações não definem mecanismos metodológicos, nem ações concretas a desenvolver. 1) 2011
2) 2017 (latest version).
1) 243 municípios; 2) Governo da República -
Portugal Despacho do Ministro de Educação nº 436-A/2017, que institui o Orçamento Participativo das Escolas. Define a obrigatoriedade do OP para as escolas públicas com alunos do 3.º ciclo do ensino básico e/ou do ensino secundário. O Despacho define de forma específica a metodologia do OP que as escolas deverão adotar. 2017 1550 escolas. Segundo os dados do Ministério são cerca de 90% as escolas que estão a adotar o OP. Trata-se de uma iniciativa do Governo da República que vincula as escolas públicas com alunos do 3.º ciclo do ensino básico e/ou do ensino secundário a fazer o OP.
Angola 1) Decreto Presidencial nº 234/19, de 22 de julho;
2) Decreto Presidencial nº 235/19, de 22 de julho.
1) Estabelece o valor anual a transferir do orçamento do estado para que cada município o dedique ao OP; 2) Institucionaliza o OP a nível municipal e define as regras de funcionamento e a metodologia do processo. Os decretos definem de forma específica 1) o valor a alocar ao OP em cada município, e 2) a metodologia do processo, com as diferentes fases e ações a desenvolver. Ambos os Decretos são de 22 de julho de 2019 Abrange os 164 municípios angolanos. -

Estes nove países concentram entre 6773 e 6801 Orçamentos Participativos, o que corresponde a aproximadamente 58% do total mundial. Este é, sem margem para dúvidas, o elemento que maior influência tem exercido na significativa expansão destes processos. Sem estas imposições e incentivos, o universo dos OP seria de 4917 a 5024 iniciativas. Este dado pode funcionar como uma espécie de barómetro para ajudar a medir a vontade política que sustem o desenvolvimento dos OP a nível mundial. Essa suporta um pouco mais de 40% dos casos ativos na atualidade, reduzindo de forma expressiva a disseminação deste fenómeno, com implicações diferenciadas nos vários continentes. É certo que as leis dedicadas ao OP também resultam da vontade política do legislador mas não necessariamente dos implementadores.
Continentes Países com leis % OP baseados em leis nacionais % OP baseados em vontade política
África Angola 17 83
América Central e Caribe Panamá, República Dominicana 95 5
América do Norte - 0 100
América do sul Peru, Equador 76 24
Ásia Coreia do Sul, Indonésia 27 73
Europa Polónia, Portugal 74 26
Oceânia - 0 100

Os dados expostos indicam algumas tendências curiosas: 

  • O continente africano, onde 50% dos OP diagnosticados estão sedeados em países com regimes autoritários, possui 83% dos casos baseados na vontade política das suas autoridades. A única legislação existente foi criada este ano em Angola, Estado classificado como autoritário no índice da democracia; 
  • A América Central e Caribe é a região do planeta em que a quase totalidade dos OP resultam de imposição legal, pelo que se poderá colocar a hipótese deste ser o continente cuja vontade política dos eleitos locais é a menos permeável a este tipo de inovações democráticas; ​
  • A América do Norte e a Oceânia são as regiões onde até ao momento não foram tomadas quaisquer iniciativas legislativas de âmbito nacional sobre os Orçamentos Participativos; 
  • A América do Sul, território pioneiro na criação destes processos, baseia hoje cerca de 76% dos seus casos em dois países com normas legais sobre os OP. Isto significa que apenas 24% do OP sul-americanos são sustentados pela vontade política dos seus promotores. Este valor poderá efetivamente ser menor, na medida em que os dados utilizados para definir a situação dos OP no Brasil são de 2016, seguramente superiores à realidade de hoje;
  • A Ásia possui dois países com legislações nacionais sobre o OP, concentrando estes cerca de 27% do total dos casos diagnosticados no continente. Este valor subiria para 83% caso se retirassem desta equação os OP nipónicos; 
  • A Europa, onde se reúne o maior número de OP em regimes democráticos, ainda que imperfeitos, apresenta 74% dos seus processos em apenas dois países com legislações nacionais. Isto significa que somente 26% das iniciativas em curso resultam diretamente da vontade política dos órgãos eleitos. 

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